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LITERATURA

Escritores pernambucanos lançam coletânea com memórias de Clarice Lispector

Publicado em: 14/01/2021 09:34 | Atualizado em: 14/01/2021 10:04

O livro O que eu escrevo continua, será lançado nesta quinta-feira (14), em evento presencial (Foto: Divulgação)
O livro O que eu escrevo continua, será lançado nesta quinta-feira (14), em evento presencial (Foto: Divulgação)


"Uma personagem de filme noir, enigmática e desconcertante, a mulher emerge, entre sombras dramáticas, desafiando os que buscam decodificá-la. Labirinto espelhado, caleidoscópico, tudo em Clarice é mistério”, escreve a jornalista Lêda Rivas na apresentação da coletânea O que eu escrevo continua - Dez ensaios no centenário de Clarice Lispector. É a primeira obra publicada neste ano pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), escrita por autores pernambucanos em homenagem ao centenário da escritora ucraniana, celebrado em dezembro passado.

A publicação será lançada nesta quinta-feira (14), às 16h, no auditório do Centro Cultural Cais do Sertão, no Bairro do Recife. Este é o primeiro evento presencial realizado pela Cepe desde o início da pandemia. Na ocasião, será transmitido um vídeo de Nadia Battella Gotlib, autora da fotobiografia de Lispector, falando sobre o vasto legado.

Organizado por José Mário Rodrigues, o livro conta com textos dos escritores Raimundo Carrero, Lourival Holanda, Cícero Belmar, Mario Helio, Luzilá Gonçalves Ferreira, Ângelo Monteiro, Fátima Quintas, Fernando de Mendonça e Marilene Felinto. Com memórias de todos os tipos, os autores mergulharam nas raízes de Lispector, revisitaram sua infância e revelaram segredos até então desconhecidos após uma imersão em depoimentos pessoais, análises e pesquisas aprofundadas.

O título da coletânea foi retirado de um texto presente em Água viva, o primeiro livro de Clarice lido por José Mário, que diz: “Tudo acaba, mas o que escrevo continua. O melhor ainda não está escrito. O melhor está nas entrelinhas”. Para ele, Lispector escrevia para conhecer o desconhecido. “Ela mesma disse em entrevistas, ‘escrever é procurar entender, é reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador’”, conta o escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras (APL).

A coletânea começou a ser produzida em maio de 1976, quando José Mário acolheu Lispector em seu retorno ao Recife, cidade onde a ucraniana passou a infância. O escritor foi o responsável por recebê-la no Aeroporto Gilberto Freyre e ciceronear a escritora durante a sua estadia. Ele não tinha nenhuma pretensão de escrever um livro à época, mas o contato intenso com aquela figura enigmática despertou o interesse anos depois. Como quem escreve um conto, ele narra em seu ensaio como foi o primeiro encontro com Clarice.

 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação
“A cartomante, que ela procurava com frequência, antecipou como seria a sua volta à terra da infância. Disse que ‘um rapaz magro de cabelo grande iria recebê-la e que a breve permanência no Recife seria proveitosa, embora sem nenhum lucro monetário’.” Durante os quatro dias em que esteve na cidade, a escritora ficou hospedada no Hotel São Domingos, na Praça Maciel Pinheiro, bem próximo ao sobrado de número 387, onde morou quando criança.

Os escritores Ângelo Monteiro e Raimundo Carrero tiveram a oportunidade de almoçar com a ucraniana. Carrero lembra do episódio em seu texto, como “um encontro para nunca mais se livrar dele”. José Mário e Clarice atravessaram os dias acompanhados pelo também escritor Augusto Ferraz e mais alguns familiares, passearam pelo Mercado de São José, Ginásio Pernambucano, onde ela estudou, e andaram por toda a Rua da Aurora. “Lembro-me que estivemos no apartamento de Samuel Lispector, primo de Clarice, na Avenida Boa Viagem”, conta José Mário.

Foram também à Oficina de Francisco Brennand, na Várzea, onde Clarice prometeu levá-lo a sua cartomante, a quem confiava o seu futuro, lá no Rio de Janeiro. Tímida e ao mesmo tempo mística, Clarice Lispector chegou a palestrar para o público em frente ao Bandepe, no Bairro do Recife. O momento de desconforto a levou a ter um ataque de pânico, como o organizador descreve em seu ensaio.

“Ao perceber a grande quantidade de gente, Clarice cismou de não entrar no auditório. Por um momento, me vi levando uma camada de pau da plateia. E pensei: ela não pode desistir de falar, de ler o texto que havia preparado. Tive um rasgo de imaginação e resolvi agir como se lidasse com uma criança e pedi que segurasse nos meus braços”, relembra.

Na época, ela não era tão conhecida pelo grande público quanto ficou após a morte, no ano seguinte. Ela partiu e deixou para trás a promessa de levar José Mário a conhecer seu destino através da cartomante. “Não deu tempo de cumprir a promessa: viajou para além das estrelas. Resolvi escrever um poema. Era o melhor que eu podia fazer”, diz o escritor, ao fim de seu ensaio, seguido pelo poema. Poema

CLARICE
Derramou palavras
— gotas de chuva sobre a relva
Falou do vento que alisa
nossas lembranças
Dos Laços de família
D’A cidade sitiada
que se perdeu
em algum lugar da Ucrânia

Da Felicidade clandestina
Por um momento
me senti parte da criação
e recitei o poema
que ela esperava
para dormir em paz

José Mário Rodrigues
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