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CINEMA

Acossado, de Jean Luc-Godard, completa 60 anos com nova exibição nos cinemas

Publicado em: 19/11/2020 09:38 | Atualizado em: 19/11/2020 09:41

 
Clássico de Godard é o homenageado no Festival Varilux de Cinema Francês, que começa hoje (Foto: Reprodução)
Clássico de Godard é o homenageado no Festival Varilux de Cinema Francês, que começa hoje (Foto: Reprodução)
 
Da redação da revista Cahiers du Cinéma, entre 1959 e 1960, saiu a primeira leva daqueles que seriam os ventos inaugurais da nova onda do cinema francês, a Nouvelle Vague. Após anos escrevendo sobre a sétima arte, um grupo de jovens críticos em ascensão na França decide produzir seus próprios filmes. Trazendo para as telas uma abordagem da teoria do cinema de autor, Jean-Luc Godard, conhecido por ser o mais carrasco dos críticos, pôs na rua a sua estreia, Acossado. Justamente com esse longa, lançado há 60 anos, Godard - que completa 90 anos no dia 3 de dezembro - deu início a uma das carreiras mais profícuas. O público terá a chance de assisti-lo no Festival Varilux, que chega hoje às salas do Recife - no Cinemark RioMar, Moviemax Rosa e Silva e Fundaj Museu e Derby.

Inspirado por textos jornalísticos sobre crimes e também pelo cinema policial francês, como o de Jean Pierre Melville, os cineastas François Truffaut e Claude Chabrol foram os primeiros a pegar o roteiro. Chabrol já vivia bem no cinema e no jornalismo, enquanto Truffaut tinha sido recentemente premiado em Cannes por Os incompreendidos (1959). Porém foi através do produtor Georges Beauregard e dos rabiscos em um caderno de Godard, que Acossado ganhou corpo.

A trama herda a simplicidade de seus textos de inspiração. No filme, o anti-herói Michel Poiccard, interpretado pela então promessa Jean-Paul Belmondo, rouba um carro, mata um policial e entra em rota de fuga pelas ruas modernas e caóticas de Paris. Na avenida Champs-Élysées, encontra uma jovem jornaleira norte-americana. A garota aspirante a jornalista é Patricia Franchini, interpretada por Jean Seberg, que viria a ser uma das musas do movimento junto com Anna Karina. Poiccard quer que Patricia fuja com ele para a Itália. Ela eventualmente descobre que o homem está foragido.
 
Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg. (Foto: Reprodução)
Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg. (Foto: Reprodução)
 

Contudo, não há simplicidade na forma de se filmar as cenas, desde o início estilizado pela assinatura do diretor. Além de o roteiro "bandido em fuga que encontra bela moça" desaparecer quando Godard abre espaço para vermos os dois devanear sobre a existência e o futuro de ambos, num quarto de apartamento no centro de Paris. O filme de perseguição se torna outra coisa, uma investigação sobre a existência ou sobre a velocidade da França moderna. Para além da trama com personagens de ambiguidade moral e diálogos desiludidos, Acossado se ancora em outra ideia de autenticidade que deu a cara do movimento.
 
CINEMA DE AUTOR
O filme tinha algumas pretensões em dar respostas a alguns status quo do cinema. Principalmente ao inaugurar uma teoria do cinema de autor, que batia de frente com a ideia de montagem e criação invisível do cinema norte-americano. A teoria, que tinha como ideia central colocar o diretor como "verdadeiro" autor a deixar sua assinatura no filme, apareceu na célebre edição de janeiro de 1954 da Cahiers, no ensaio "Uma certa tendência do cinema francês", assinado por Truffaut. A política do autor queria rasgar qualquer cartilha de montagem e direção, a partir da ideia de que, mesmo sendo uma arte coletiva, os diretores deveriam expressar suas ideias na construção de suas linguagens cinematográficas.

E a assinatura de Godard foi fazer uma montagem aos saltos, em velocidade, como o espírito moderno daqueles tempos, e deixando qualquer editor norte-americano nervoso. Todo o movimento sendo embalado por um jazz descolado de Martial Solal. Tão em diálogo com esse espírito veloz, Acossado foi filmado em menos de quatro semanas, com cenas de rua feitas sem permissão oficial. A lei de que as câmeras deveriam estar apontadas para o objeto central do filme desaparece. Assim como a ideia de que o som, principalmente a fala dos personagens, deveria estar em plena coerência com as imagens. Mesmo que seu legado seja difuso, para muitos cineastas o filme representava também um caminho barato de se fazer cinema. "Jean Luc-Godard me ensinou a filmar tudo pela metade do preço", dizia Rogério Sganzerla em seu manifesto. 
 
 
 
No documentário Deux de La Vague (2010), de Emmanuel Laurent, temos ideia do estranhamento do público em reação ao estilo dos gestos de Godard. "Eu assisti Acossado. É baixaria gratuita", praguejava um homem que tinha acabado de sair da sessão. Já o mestre Martin Scorsese, também já recordou em entrevista sua primeira reação ao ver o filme: "Acossado era moderno demais pra mim (...) É beat demais, beatnik e boêmio. Era descolado demais. Eu gostei, mas não entendi nada."

Essa ruptura e rebeldia com o status de arte foi uma das empreitadas conceituais mais politicamente engajadas dos séculos 20. Mas a resposta às entradas de produtos culturais americanos massificados no pós-Segunda Guerra Mundial, antes de ter uma reação nas ruas, foi criticada pela intelectualidade e pela Nouvelle Vague que ajudou a definir os valores dessa juventude. Não à toa, uma década depois, nos movimentos de Maio de 1968, Paris pegou fogo com os protestos de uma juventude que, de toda forma, também estava interessada em romper algumas normas. Por mais que isso eventualmente tenha se tornado uma demanda vaga.
 
 (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução
 
 
Acossado por Fernando Spencer
Godard já figurava nas páginas dos cadernos de cinema do Diario quando, em 1962, ganhou evidência por conta da estreia de Acossado no Recife. Em texto escrito por Fernando Spencer, um dos cineastas e críticos mais importantes da construção de uma cinefilia pernambucana, o filme era a recomendação da semana, apesar de se tratar da primeira obra do "inteligente crítico ainda desconhecido por essa plaga, Jean-Luc Godard".

O filme estreou no Art Palácio, no bairro de Santo Antônio. Spencer ressalta o filme como terceiro pilar de sustentação da tríade que deu nascimento à Nouvelle Vague, composta também por Os incompreendidos, de François Truffaut, e Hiroshima mon amour, de Alain Resnais. O jornalista ressalta a unanimidade de críticas positivas sobre o filme, além de exaltar o elenco com Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo, que naquele ano estava de passagem pelo Brasil.
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