 | |
Foto: Divulgação |
De um livro com traços de autobiografia do escritor norte-americano Jack London, surgiu Martin Eden, o personagem de um marinheiro que aspirava ser escritor, mas se corroia pelo próprio sucesso. Mais de cem anos depois de sua criação, ganhando contornos de um debate sobre a política e o estado do artista frente ao mundo, o diretor italiano Pietro Marcello lança sua adaptação homônima para os cinemas. Desta vez, Martin é um marinheiro com pinta de "working class hero" italiano que, enamorado de uma jovem aristocrata, vê-se seduzido a ser escritor e intelectual.
O filme foi uma das últimas estreias frustradas pela paralisação dos cinemas, ainda em maio. Agora, com a reabertura hoje da sala do Cinema da Fundação do Derby, o longa será uma das primeiras exibições do Recife na pandemia, ao lado da estreia de Mulher, de Anastasia Mikova e Yann Arthus-Bertrand, e a pré-estreia de E então nós dançamos, do sueco Levan Akin.
O trabalhador Martin (Luca Marinelli) mora com a irmã e é desafeto do cunhado. Por um acaso, ao socorrer um rapaz em situação de perigo, torna-se bem quisto por ele e vai conhecer sua família, composta por uma aristocracia liberal, culta e branca da Itália. Quando conhece a família do rapaz, apaixona-se por Elena (Jessica Cressy). Nessa espécie de Romeu e Julieta da disputa de classes, o aspirante a intelectual e escritor se vê na encruzilhada de se desfazer de sua posição moral para fazer parte desse status burguês.
O protagonista é um personagem nietzschiano, que rejeita aprisionamentos morais, mas se vê em um dilema com os seus desejos e rejeição às fraturas políticas de seu tempo. A sua representação é muito boa no longa de Pietro Marcello, que mesmo sem ser perfeita se sobressai do registro ficcional de época mais comum, justamente por aliar um anacronismo narrativo ao modo de fazer, mas preservando a essência do personagem de Jack London. Inclusive, se sobressai por parecer bastante consciente sobre uma tradição de narrativas políticas e sociais românticas e do cinema italiano.
Martin Eden é uma espécie de registro ficcional que contraria a cronologia. De uma história criada em 1909 até a nova versão com um enfoque na situação de efervescência de movimentos operários socialistas que a Itália vivia no meio do século 20, Pietro traz em seus gestos o crivo dessa anacronia. Isso está muito acertado na história, mas também em seu jeito de contá-la, com momentos de cinema contemporâneo, por vezes uns lampejos documentais e texturas analogicas. Tudo funciona muito bem na proposta do filme, que joga diretamente com a tensão entre o sujeito-artista e o momento político como situações imbricadas, algo que engrandece seu valor como adaptação cinematográfica em 2020. Mas, também, tem muito valor em seus questionamentos morais marcados por dicotomias atemporais como individualismo e coletividade, o lugar do artista e status da sociedade. Ou até mesmo entre liberdade pessoal e liberdade burguesa de livre mercado.
 | |
Foto: Divulgação |
REABERTURA DOS CINEMAS
Mesmo com a abertura das salas autorizada desde 28 de setembro, até então somente o Cinema Fundaj Derby está reaberto. O retorno hoje contará com uma série de mudanças: obrigatoriedade do uso de máscara, os assentos estão escalonados e protegidos com capa para facilitar higienização, mantendo distância mínima de 1,5 metro entre as pessoas; as sessões terão intervalo de, no mínimo, uma hora; os ingressos passam a custar R$ 5 (meia) R$ 10 (inteira), para facilitar o troco; tapetes sanitizantes, totens para aplicação de álcool em gel e sinalização específica.
Ontem, o Governo de Pernambuco assinou decreto para ampliar o limite de público em equipamentos culturais, liberando eventos com até 300 pessoas ou 50% da capacidade. Os cinemas e teatros poderão voltar a vender alimentos e bebidas. A pipoca, por exemplo, representa boa parte da receita das salas, e a não-liberação no decreto era um grande empecilho para a reabertura do setor, especialmente Multiplex, que ainda não confirmou a data oficial de retorno da programação.