Lara Klaus, Mafer Bandola, Sara Lucas e Daniela Senra formam a LADAMA (Foto: n@yaninamayphotography)
Uma das consequências da pandemia do novo coronavírus é o bloqueio de circulação de pessoas, como um entrave momentâneo à globalização como conhecíamos. E é justamente nesse contexto que o coletivo LADAMA, que reúne quatro mulheres de diferentes nações das Américas, volta a demonstrar a potência do multiculturalismo com o álbum Oye mujer, lançado pela Six Degrees Records no início deste mês. O projeto é composto pela brasileira Lara Klaus (voz, bateria e percussão), que é pernambucana, junto com a venezuelana Mafer Bandola (voz e bandola llanera), a colombiana Daniela Serna (voz e tambor alegre) e a estadunidense Sara Lucas (voz e guitarra).
O álbum de estreia, LADAMA, foi lançado em 2017, como um registro mais puro e orgânico dessa singularidade sonora do coletivo, que cativou diversos festivais pelo mundo. Enquanto Lara trouxe os tambores e as alfaias do maracatu, a bandola llanera de Mafer é um instrumento popularizado na América Latina através da Venezuela e o tambor alegre de Daniela tem origens africanas e maior popularidade na região caribenha da Colômbia.
Agora, elas retornam mesclando ritmos sul-americanos e caribenhos como ijexá, fandango, merengue dominicano, cúmbia e samba com soul, R&B, pop, guitarras diferentes e percussões ainda mais brasileiras. No Brasil, o resultado pode agradar uma geração que tem consumido Francisco, el Hombre ou BaianaSystem.
Dessa vez, a presença pernambucana foi expandida com as participações de Spok no saxofone (nas faixas Nobreza e Inmigrante) e Lucas dos Prazeres na percussão (Nobreza). A produção foi compartilhada pelo quarteto com Pat Swoboda, de Nova York, e do requisitado carioca Kassin, que já assinou trabalhos de Jorge Ben, Bebel Gilberto, Caetano Veloso e, mais recentemente, da banda pernambucana Academia da Berlinda.
Capa do disco por DanielFluxus
Oye mujer seria inicialmente lançado em março deste ano, com uma turnê, mas precisou se adaptar à pandemia. Previsto para junho, precisou se readaptar por conta dos protestos iniciados nos Estados Unidos e espalhados pelo mundo. “Os nossos países estão sem clima há um tempo, mas acho que o álbum chega em um momento de reflexão e empatia”, diz Lara Klaus.
Cantado nas diferentes línguas das integrantes, o disco também acaba sendo um registro das catástrofes ocorridas durante sua época de produção. Em Haverá de ser, Klaus fala sobre o colapso da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019. Inmigrante, como uma versão mais animada de Clandestino, de Manu Chao, pede que os imigrantes mantenham suas cabeças erguidas. Maria toca nos grandes apagões de energia da Venezuela, com participações da cantora Betsayda Machado e do grupo vocal Mesticanto. Assim como as demais faixas do disco, ela evoca o empoderamento feminino como uma ferramenta de transformação e superação em meio às adversidades. A canção termina com um coral das vocalistas: “Maria tem a sua liberdade, Maria tem a sua alma, Maria é a sua própria mátria”.
A consolidação mundial da internet facilitou os intercâmbios culturais, extrapolando esse tal entrave. Mas o LAMADA teve um início bastante “físico”. O coletivo começou a tomar forma em uma residência artística em Saratoga, uma cidade da Califórnia, em 2014. “Nós voltamos para nossos países de origem. Após um tempo, Mafer nos chamou para começar um projeto no seu bairro de origem, chamado Cruz Blanca, na cidade Barquisimeto, no oeste da Venezuela”, explica Lara Klaus. “As adolescentes estavam ficando grávidas muito cedo. Nós somos educadoras, então queríamos usar uma banda como ferramenta social de empoderamento. Para isso, cruzamos as fronteiras da cultura, entendendo a cultura de cada uma, o que cada uma pensa e como tudo acontece em cada país.”
O LADAMA iniciou uma turnê em 2016, com estreia no Rec-Beat, no carnaval do Recife. “Além dos países de origem das integrantes, também fizemos shows na Europa. Lançamos a proposta de fazer workshops e oficinas de criação musical nas comunidades onde estávamos passando. Eram oficinas de criação musical para compartilhar nossas culturas. Não era sobre ensinar um instrumento, mas sobre fazer com que as pessoas entendam que podem usar a música como uma ferramenta de criação”, diz Klaus.
A artista encerra explicando que o Oye mujer é uma análise de espectro multicultural sobre uma realidade mundial. “Somos de contextos sociais diferentes, mas existem coisas similares desde sempre nesses países. Os governantes e as pessoas que detêm o poder deveriam ser responsáveis por mudanças, mas isso não ocorre. Celebramos a diversidade de cultura e a quebra de fronteiras para mostrar que não precisamos fazer guerras por sermos diferentes. Precisamos dialogar, entender quais são as nossas semelhanças e diferenças”, finaliza a pernambucana. Assista a vídeos do Oye Mujer: