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Programa Hora do ENEM, da TV Escola (Foto: Rafael Lima/Divulgação) |
A crise dos cofres públicos, que vem se arrastando no Brasil desde meados dos anos 2010, acendeu alerta nas emissoras públicas educativas, integradas através da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Quando a política econômica do governo de Jair Bolsonaro entrou em ação, a preocupação foi redobrada, sobretudo na esfera federal. Em dezembro passado, os holofotes foram centrados na TV Escola, quando o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, decidiu não renovar o contrato de gestão com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que gerencia a emissora educativa. Na mesma semana, os funcionários foram despejados das dependências do MEC. O futuro da TV Escola ainda segue incerto.
A crise na Roquette Pinto também tem atingido a Cinemateca Brasileira e agora a TV INES, pioneira em criação de conteúdo audiovisual para surdos, que teve sua produção interrompida. A associação já externou que a atitude é uma retaliação porque as indicações do governo federal não foram acolhidas. Em junho, profissionais da Acerp divulgaram nota coletiva afirmando que o contrato do MEC não teria acabado, pois a decisão de Weintraub passou por cima de uma cláusula contratual que estipulava aviso prévio de um ano para manifestar o interesse de uma das partes em não renová-lo. "A TV Escola também tem um importante acervo a ser preservado, além de produzir e veicular premiados programas de TV e ferramentas em suas redes sociais de reconhecida importância educacional."
Ao ser questionado por jornalistas em 16 de dezembro, na ocasião do anúncio da não renovação do contrato do MEC com a Acerp, Jair Bolsonaro disse: "Você conhece a programação da TV Escola? Deseduca. Quem assiste à TV Escola? Ninguém assiste. Dinheiro jogado fora." No âmbito de gestão estadual, um episódio de crise que se aproximou de uma extinção ocorreu no Rio Grande do Sul. O governo de José Ivo Sartori (MDB) decidiu extinguir a Fundação Piratini, responsável pela gestão da TV Educativa de Porto Alegre e da FM Cultura. Ele chegou a cogitar oferecer a concessão para a iniciativa privada, mas esse caminho foi recusado por Eduardo Leite (PSDB), que venceu as eleições em 2018. A TVE chegou a passar uma semana apenas retransmitindo o conteúdo da TV Brasil. Atualmente, está vinculada à Secretaria de Comunicação (Secom).
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Pernambucano Juliano Domingues e presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, em edição do Giro Nordeste de 11 de junho (Foto: Reprodução) |
O consórcio formado por governadores nordestinos teve como reverberação, no campo da comunicação, a criação do Fórum das Emissoras Públicas do Nordeste, composto por representações de veículos de rádio e TV dos nove estados. A ideia é driblar essa atmosfera de crise e possibilitar uma rede que compartilhe conteúdos e atenda aos interesses da região. No futuro, essa integração também pode servir para o lançamento de editais conjuntos, ampliação do sinal digital e aquisição de equipamentos.
A série Olhar, do pernambucano Camilo Cavalcante, produzida via Funcultura, já foi exibida na TVE Bahia. Também foi criado o programa Giro Nordeste, uma espécie de Roda viva na qual a bancada de entrevistadores é composta por um jornalista de cada estado. A TV Universitária de Pernambuco e a TV Pernambuco participam do Fórum.
"A televisão no Brasil começou comercial e assim se tornou hegemônica, com isso, sempre foi difícil a situação dos canais educativos, das televisões públicas em nosso país. Mesmo com muitos problemas orçamentários e financeiros, atualmente, as emissoras públicas do Nordeste estão fazendo um trabalho muito bom e importante em cada estado", comenta Gustavo Almeida, presidente da Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC), que gerencia a TV Pernambuco. "Em relação ao panorama atual das TVs públicas no país, a Rede Nacional de Comunicação Pública, encabeçada pela Empresa Brasil de Comunicação, responsável pela TV Brasil, está ameaçada, pois o governo federal tem se mostrado disposto à privatização."
TV Universitária de Pernambuco em ciclo de mudanças
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Fachada da TVU-PE (Foto: ASCOM UFPE/Divulgação) |
Criada em 1968, a TV Universitária de Pernambuco, que integra o Núcleo de Televisão e Rádio Universitárias, é a primeira TV educativa do país e serviu como embrião para o sistema brasileiro de comunicação pública. Apesar do contexto da pandemia, a emissora vem passando por um período de mudanças, com o objetivo de aumentar a programação local - atualmente, dez horas e 30 minutos são destinados à TV Brasil - e democratizar sua linha editorial. Esse trabalho está sendo feito por grupos de trabalho de regimento, programação e transmídia.
"Não estamos trabalhando apenas no emergencial ou no imediato, mas sim em uma proposta de rendimento", explica Marco Mondaini, que assumiu a direção do Núcleo em março, logo no início da pandemia. "Criei um conselho editorial que em breve será substituído por um conselho curador, composto por sete pessoas internas e oito externas, da sociedade civil. Esse grupo decidirá o que será veiculado, pois antes esse papel era mais restrito ao diretor. A nova política de programação quer se aproximar de produtores independentes com editais, ocupações e chamadas públicas que incentivam a democratização", continua.
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Marco Mondaini, diretor do Núcleo de Televisão e Rádio Universitárias (Foto: Divulgação) |
O Opinião Pernambuco, programa mais tradicional da grade, está sendo gravado à distância. Durante a pandemia, surgiram atrações como o Festival música em domicílio, que convida artistas para apresentações caseiras, e o Especial coronavírus, que traz diariamente boletins informativos com especialistas, pesquisadores e profissionais na linha de frente do combate à Covid-19. Nesta semana, começaram a ser veiculados novos programas como O povo cuidando do povo, de segunda à sexta, às 11h15, e o Central do Brasil, fruto de uma parceria entre o Brasil de Fato e a TV dos Trabalhadores. Por conta da suspensão das aulas presenciais nas escolas, a TVU também passou a retransmitir o conteúdo do Educa PE, projeto do governo estadual que também está na TV Pernambuco.
Pernambuco, inclusive, tem um contexto peculiar por agregar a TV Universitária, mantida com verba federal, e a TV Pernambuco, que existe há 25 anos com recurso do estado. A TVPE não é especificamente educativa, mas tem exibido conteúdo desse tipo. Em 2018, lançou o Projeto TVPE Escola, realizado em parceria com a Secretaria Estadual de Educação e Esportes para ofertar oficinas de narrativas e produção de audiovisual com dispositivos móveis aos estudantes do ensino médio. Naquele ano, foram realizadas oficinas em escolas de vários municípios, e os estudantes produziram mais de 50 vídeos. "Em 2019, o projeto cresceu e realizamos oficinas específicas aos professores da rede estadual e da UPE, inclusive para a oferta da disciplina eletiva Produção Audiovisual para a Comunicação Pública, com docentes de Caruaru", completa o presidente da EPC, Gustavo Almeida.