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Literatura

Livro aponta relação entre obras de Chico Science, João Cabral de Melo Neto e Josué de Castro

Publicado em: 08/01/2020 15:14 | Atualizado em: 29/12/2020 22:11

Chico Science, João Cabral de Melo Neto e Josué de Castro. (Fotos: Crédito Gil Vicente/ Arquivo Pessoal, Acervo da ABL e Reprodução da Internet)
Chico Science, João Cabral de Melo Neto e Josué de Castro. (Fotos: Crédito Gil Vicente/ Arquivo Pessoal, Acervo da ABL e Reprodução da Internet)

O poeta e crítico Francisco K nasceu no Recife, mas se mudou para Brasília aos 5 anos. Durante a infância, visitava a cidade natal quase todos os anos, algo que se tornou cada vez mais raro com o passar do tempo, esvaziando seu senso de pertencimento. Durante os anos 1990, um acontecimento resgatou sua “pernambucanidade”: a ascensão da banda Chico Science & Nação Zumbi no cenário nacional. Ele foi fisgado pela estética sonora e visual inovadora do mangue. Chegou a ter uma conversa de aproximadamente três minutos com Chico, após uma palestra do músico sobre Josué de Castro em um encontro de ciência e tecnologia na capital federal.

Quando Chico morreu, em 1997, Francisco escreveu um artigo para o Jornal de Brasília. Em 2017, revisitou o legado do músico por conta dos 20 anos de sua morte em um texto que acabou crescendo e se tornando um livro de tom ensaístico e crítico. Mas não apenas sobre Chico, como tantos outros já existentes. O autor propõe evidenciar inter-relações entre a obra de Science com o universo literário de João Cabral de Melo Neto, que tem centenário comemorado em 9 de janeiro, e os ensinamentos do nutrólogo Josué de Castro, conhecido internacionalmente pelos estudos sobre fome. Mangue-mundo - Poéticas do mangue em Josué de Castro, João Cabral de Melo Neto e Chico Science foi lançado em dezembro pela Editora Sigla Viva, e conta com prefácio do jornalista Severino Francisco.

Logo no primeiro capítulo, Mapeando o mangue (e a fome), existe uma vontade de “adentrar” no mangue de Josué. Embora conhecido como nutrólogo e cientista social, sobretudo pelo clássico Geografia da fome (1946), o médico tinha um lado artístico (bem menos evidenciado) e chegou até a lançar o romance intitulado Homens e caranguejos (1967), que narra a história de vida de um menino pobre que começa a descobrir o mundo e logo se depara com a miséria e a lama do mangue. Além disso, existe o conto O ciclo do caranguejo (1935), onde ele descreve em prosa poética a vida de uma família de habitantes dos mangues de Recife. São obras que dialogam com a poética do mangue como conhecemos hoje. Esse universo todo já rondava o cotidiano e o imaginário de Chico Science, mesmo que ele ainda não conhecesse os livros de Josué. Quem fez essa ponte foi o jornalista e crítico José Teles.

“Quando leu Josué de Castro, Chico teve uma compreensão muito intuitiva de coisas que já buscava. Ele viu Josué falar de caranguejo e mangue, e fez uma assimilação muito rápida, não de um estudioso, mas de um artista”, conta Francisco K, que também é autor de livros como Poesia? e outras perguntas: Textos críticos (2011) e Error (2015). “Além dessas palavras-chaves, algo que existe em Josué, embora menos falado, é a ideia de caos. Ele chegou a fazer uma comparação entre Amsterdã e Recife. Ambas cidades são cercadas de rios e canais, mas enquanto tudo é organizado na Holanda, o Recife está jogado, como uma ‘desova cósmica’. Ambos têm a visão dessa desordem social e de desigualdades acentuadas. Chico incorpora isso com uma música caótica.”

Os capítulos seguintes, A educação pela lama I e II, têm enfoque em João Cabral. A principal análise é centrada no célebre poema O cão sem plumas (1950), em que o poeta descreve o Rio Capibaribe e o Recife. Além dessa característica do descritivo, o que interessa a Francisco K é a “proliferação metafórica” do conteúdo de Melo Neto, que se mantém “em permanente tensão com o empenho de controle dos mecanismos de construção do texto poético” e também “uma certa perturbação do princípio de identidade e como uma linguagem entrópica ou caótica”. O autor também chega a citar outras duas obras que, junto com O cão sem plumas, formam a tríade cabralina: O rio (1953) e Morte e vida severina (1955).

“Eu sou um poeta multimídia. Costumava fazer oralização de trechos do Cão sem plumas enquanto exibia uma cena do Chico entrando no palco com uma vestimenta de caboclo de lança. Isso foi algo muito importante, porque prenunciou o que eu fiz nesse livro”, continua Francisco K. Considero O cão sem plumas um poema decisivo na evolução da poesia de João Cabral e também o mais próximo do manguebeat, com maiores afinidades estéticas dentro de uma radicalidade da obra dele. Traz essa coisa da linguagem caótica que não relacionamos ao Cabral. Temos uma visão dele como um poeta racional, que traçava uma régua para saber o tamanho dos textos. O construtivo e o racional são forças muito poderosas que estão na base da arte dele, mas sem negar o elemento caótico que está presente desde o Cabral mais imaturo, de Pedra do sono (1942).”

O cão sem plumas, O rio e Morte e vida severina se encaixam na proposta de Mangue-mundo, de acordo com o autor, pois apresentam essa relação com o Rio Capibaribe e vão terminar no mangue recifense, na paisagem urbana do Recife. “No final de O cão sem plumas, por exemplo, existe uma luta do rio com o mar, é um elemento dramático que marca uma virada no poema como uma metamorfose”, explica o autor. No quarto e último capítulo, Do mangue ao ciberespaço, Francisco busca expandir a caracterização da poética do mangue durante a passagem de Da lama ao caos (1994) para Afrociberdelia (1996), apontando continuidades e mudanças, relacionando o processo criativo com corpo, situação social e tecnologia.
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