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Crítica: Genial drama psicológico, Coringa enriquece universo da DC no cinema

Publicado em: 02/10/2019 11:10 | Atualizado em: 29/12/2020 21:25

Foto: Warner Bros/Divulgação


"É impressão minha ou o mundo está cada vez mais louco?". A pergunta do personagem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) para uma psiquiatra é um prenúncio perspicaz do que o público encontrará nas duas horas do longa-metragem Coringa, histórico rival de Batman, que tem pré- estreia nesta quarta-feira (2). A produção foi vencedora do Leão de Ouro, principal prêmio do Festival de Veneza, algo incomum se tratando de filme ligado ao universo das HQs. Mas, na verdade, esse não é um filme tradicional de super-heróis. Nas mãos do diretor Todd Phillips, conhecido pela comédia Se beber não case, a história da DC Comics aposta em um tom sombrio. Nada na linha de Batman vs Superman, que é repleto de pirotecnia e ação. Coringa é um genial drama psicológico sobre derrota, humilhação e insanidade. 

Sem tantas referências ao universo geral da DC, esse é realmente um filme “solo”, com enfoque nos precedentes do vilão. O homem-morcego chega a aparecer, mas apenas como criança. O pai do herói, o bilionário Thomas Wayne, concorre à prefeitura da Gotham City, uma Nova York decadente, suja e mergulhada em uma crise política e social que cria um certo paralelo com a atualidade. A cidade é como um barril de pólvora esperando por um maníaco para acender as primeiras fagulhas de uma revolução desordeira. 

Mas até que Arthur Fleck ganhe ares de Coringa, somos guiados pela desastrosa trajetória que ocupa maior parte do longa. Ele trabalha numa agência de palhaços, mas é tido como um dos menos talentosos. Ele tem uma disfunção psiquiátrica que o faz rir compulsivamente em momentos inadequados. Logo no começo, Fleck é roubado e espancado por jovens. O cenário de austeridade faz o poder público encerrar as atividades da clínica onde ele realiza suas consultas. O oásis de felicidade é um programa de auditório do humorista Murray Franklin (Robert De Niro), além do sonho de ser um comediante de stand up. 

Nesse contexto, Arthur comete um crime contra funcionários da Wall Street e se torna uma espécie de ícone anônimo, criando um sentimento de anti-establishment, contra a elite e crítico ao candidato favorito do sistema, Thomas Wayne. Aí mora outro diálogo com a contemporaneidade. “Eu não sou engraçado porque vocês do sistema decidem o que é engraçado ou não”, diz Coringa, em uma cena marcante. O drama vai se transformando em uma rapsódia política que expõe como insatisfação popular pode recorrer a figuras histriônicas, que passeiam entre a gargalhada e o ódio.

O sombrio Coringa de Phoenix
Foto: Warner Bros/Divulgação


Interpretar o Coringa é uma grande responsabilidade para qualquer ator. O pesquisador Ben Saunders já chegou a afirmar que toda geração tem seu Coringa. A evolução do vilão se dá de acordo com retratos midiáticos de épocas. O de Jack Nicholson, sob direção de Tim Burton (1989), carregava a moda exagerada da década de 1980, inspirada no cantor Prince e sem muitos questionamentos ao sistema vigente. O inesquecível Coringa de Heath Ledger, em O cavaleiro das trevas (2008), era um mergulho nesse lado mais sombrio e sério, com ares de “gênio do crime”, que rendeu um Oscar póstumo ao ator. Jared Leto entregou uma versão mais “gangsta”, mas exagerada e pouco memorável.

A versão de Joaquin Phoenix trabalha em um tom semelhante ao Coringa sombrio de Heath Ledger. Não se trata de uma “superação”, mas sim uma composição inédita e trabalhosa. Além das notáveis transformações físicas do ator, que aparece bizarramente magro, a atuação foi idealizada para impressionar público, fãs e críticos. Após o prêmio de Veneza, circulam comentários de que o filme tem chances no Oscar de 2020, sendo Phoenix um provável indicado à categoria de Melhor Ator.

Foto: Warner Bros/Divulgação


A direção de Todd Phillips nos faz sentir empatia e repulsa, simultaneamente. Isso reflete na atuação. Para o público entender as motivações do Coringa, há uma certa “humanização” do vilão. Os problemas psiquiátricos e fobias sociais carregam outro zeitgeist do Coringa de Phoenix, talvez o mais significativo. Após a exibição em Veneza, parte da imprensa se mostrou preocupada sobre o filme influenciar jovens com transtornos a cometer crimes de ódio e massacres, fenômeno corriqueiro nos EUA. 

De fato, em muitos momentos o espectador é levado a ter empatia com o vilão. Nas redes sociais, muitos apontam que o filme seja um elogio à cultura “incel”, composta por homens que sofrem de solidão, insegurança e frustração por não conseguirem se relacionar e que esbanjam ódio e misoginia em fóruns virtuais. Durante uma coletiva sobre o filme, o Telegraph perguntou a Phoenix se ele estava “preocupado com o fato de esse filme acabar perversamente inspirando exatamente o tipo de pessoa com resultados potencialmente trágicos”. O ator se levantou e saiu. Polêmicas à parte, se os próximos filmes do universo Batman estiverem na mesma linha de qualidade de Coringa, teremos uma ótima saga do homem-morcego em breve.

Assista ao trailer:

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