Como se ilustrassem ventos, as aquarelas coloridas da artista pernambucana Guita Charifker atribuem movimento às paisagens e foram responsáveis por marcar o modernismo no estado. Eleveram o reconhecimento da pintora à esfera nacional. Cerca de 60 obras da artista estarão reunidas na exposição
Paisagem onírica, sob curadoria do crítico de arte Marcus Lontra, que será inaugurada nesta quinta (26), às 19h, na Caixa Cultural Recife. É a primeira mostra póstuma em homenagem a Guita, falecida em 2017.
A exposição reúne trabalhos produzidos desde a década de 1960, entre aquarelas, gravuras, desenhos e pinturas, além de fotos e vídeos que apresentam a artista e as fases de sua obra. A visitação segue até 17 de novembro e a entrada é gratuita. Natural do Recife, Guita Charifker se engajou desde cedo no movimento artístico da cidade e já expôs em espaços como o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e Pinacoteca de São Paulo.
"Olinda, para mim, eram as aquarelas de Guita. Eu já conhecia suas obras e sua casa, que era uma espécie de espaço cultural em Pernambuco, e ela, uma referência na arte brasileira, como uma Matisse do estado. Então, quando cheguei aqui, fui logo conhecê-la pessoalmente. Além de grande artista, percebi que ela tinha uma personalidade vibrante”, conta o carioca Marcus Lontra, que chegou ao Recife em 1997 para implantar o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam).
Paisagem onírica começou a ser idealizada com a artista, mas só foi finalizada dois anos após a sua morte. As peças foram selecionadas de coleções particulares e também do acervo pessoal e familiar de Guita. "Com obras coloridas, sensuais e luminosas, ela domina e cria a técnica, captando muito bem a nostalgia, o encantamento. Eu gosto de tudo em seus trabalhos, são prazerosos e provocativos. Você olha e se identifica", reflete.
"É muito precioso quando um artista identifica o seu limite. Charifker tinha um desenho de qualidade, mas ela entendeu que a aquarela dava a ela esse vento. Ela pintava paisagem, mas com a aquarela ela conseguia pintar o movimento”, explica. As aquarelas da artista retratam naturezas mortas com plantas e frutos regionais, além das paisagens, inspiradas na vegetação do quintal de sua casa e o litoral pernambucano. Os traços são fortemente influenciados por sua essência judaica e referências de matrizes africanas.
“A ideia da casa e do jardim, que é interior e exterior, é muito presente em suas obras, faz com que os pernambucanos se olhem e se vejam naquelas aquarelas, colocando-a como uma referência fundamental para o estado”, diz Lontra, reivindicando a importância da arte moderna pernambucana. “Não é uma tentativa de colocar modernistas contra outros, mas de valorização da especificidade da paisagem e traços pernambucanos.”
Para o curador, as obras da artista são acalentadoras e atuais. "O trabalho de Guita é necessário, principalmente em momentos difíceis como os que estamos vivendo no Brasil. É como se você visse as obras e elas dissessem ‘vai passar’.
Em situações assim, a arte dela atua como instrumento de redenção", diz o curador, traçando paralelo com as críticas do diretor da Funarte Roberto Alvim a Fernanda Montenegro, após publicação da revista literária Quatro Cinco Um, com a atriz retratada como uma bruxa prestes a ser queimada em uma fogueira com livros. "Fernanda e Guita ficam, resistem, e essas pessoas desqualificadas passam. São provocações vazias. No fundo, a gente sabe que isso não vai afetar a carreira de Fernanda, que reúne tudo de melhor na arte."
SERVIÇOPaisagem onírica, de Guita Charifker
Onde: Caixa Cultural (Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife)
Abertura: amanhã, às 19h, com visita guiada pelo curador
Visitação: até 17 de novembro, 10h às 20h (terça a sábado) e 10h às 17h (domingo)
Quanto: gratuito