“Ninguém ouvirá a canção por baixo do Recife”, denuncia Carlos Gomes no último verso de um de seus poemas. O livro Canções não surge num emaranhado de coisas, imerso na caótica paisagem ruidosa, que apresenta a cidade como mote poético. Seu lançamento teve incentivo do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) e, além do livro, Canções não possui um disco com poemas musicados e um espetáculo, que será apresentado neste sábado, às 18h, no Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, 142, Bairro do Recife), com entrada gratuita.
“A ideia de cantar, relativo à poesia como fala, como oralidade. Não só como o poeta que canta a cidade, mas a cidade que canta a si própria”, explica Carlos Gomes. No capítulo Paisagens, por exemplo, Carlos conta que, ao andar pela cidade, notou uma recorrência de pichações que riscavam o concreto urbano. Nesse capítulo, ele reproduziu alguns dos títulos: Cais, Cosmo, Abarca. Assim é construída uma fala da própria cidade, que seus muros gritam, não apenas calam.
Boa parte dos textos de Canções não integrou o projeto de poemas em diálogo com as fotografias de Amanda Coutinho, que foram publicados no site da Revista Cardamomo, ainda em 2016. O título do livro tem como ponto inicial um verso do escritor recifense Jomard Muniz de Britto, que escreve: “Ó cidade faminta / alimentando-se de letras canções”, no poema Ó cidade faminta!. Segundo o autor, os versos foram ponto inicial para pensar a relação entre palavra cantada e a palavra escrita. “Comecei a pensar em como a palavra pode se desviar entre as linguagens e entre os suportes”, afirma.
Buscando esse desvio entre as linguagens, Carlos musicou uma primeira leva de poemas ainda em 2016. Antes mesmo de introduzir o som às suas obras, ele já se preocupava com a potência oral de sua produção. O disco surgiu daí. Não como uma reprodução literal do livro, mas como obra com vida própria, entrecortados por um diálogo e investigando esses limites entre poesia e oralidade.
A apresentação no Teatro Hermilo Borba se baseia no disco que foi gravado ao vivo e contará com Hugo Linns (viola dinâmica), que fez a direção musical e os arranjos, Rogê Victor (baixo acústico) e Carlos (violão de aço), que também canta e recita, transitando entre esse estilos de oralidade. Um dos poetas inspiradores, Jomard Muniz fará participação especial. Além disso, o show conta com Nathalia Queiroz e Philippe Wollney.
A palavra lirismo é possivelmente a melhor representante dessa produção. Lirismo, geralmente utilizada para poesia que explora seu potencial de expressar paixão e sentimentos no texto, deriva da antiga literatura grega, quando a poesia era acompanhada de uma lira, instrumento de corda. Canções não resgata e prova que, na tradição poética, essas tangentes e essa musicalidade sempre estiveram presentes.
SERVIÇO
Lançamento da obra Canções não, de Carlos Gomes
Quando: sábado (24), às 18h.
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, 142, Bairro do Recife)
Quanto: gratuito