O gênero literário biografia pode fascinar por narrar um apanhado cronológico da vida de uma personalidade célebre. O livro Geneton - Viver de ver o verde mar (Cepe, 246 páginas) transcorre a trajetória de Geneton Moraes Neto, mas agrega inúmeras características que o torna uma biografia diferente. Ana Farache e Paulo Cunha, que assinam o conteúdo, foram amigos próximos do pernambucano e imprimiram uma visão diferenciada de um dos jornalistas mais respeitados da história brasileira. Juntos, criaram uma “biografia ensaística”, mais intimista e experimental.
O evento de lançamento será neste sábado (31), às 19h, no Cinema da Fundação/Museu (Av. Dezessete de Agosto, 2187, Casa Forte). Antes, às 16h, será exibido o documentário Cordilheiras no mar: A fúria do fogo bárbaro (2015), centrado no lado político de Glauber Rocha. O livro é resultado de dois anos de uma pesquisa que envolveu 68 entrevistas com familiares, amigos e colegas de trabalho, levantamento de suas matérias, acesso a diários, textos inéditos e imagens de arquivo.
Geneton Moraes Neto iniciou a carreira ainda na pré-adolescência, escrevendo para o suplemento infantil Júnior, do Diario de Pernambuco, no começo da década de 1970. Nos anos seguintes, também trabalhou na sucursal nordestina de O Estado de S. Paulo e na Rede Globo, como editor das atrações Jornal da Globo, Jornal Nacional e Fantástico.
Nos anos 1970, Geneton começou a produzir curtas-metragens no formato super-8, sob influência de Fernando Spencer, crítico de cinema do Diario. Deu vida a um cinema alternativo e marginal que logo se tornou febre geracional na década. A ideia para a realização do livro Viver de ver o verde mar surgiu, na verdade, quando Geneton ainda era vivo, em 2014. A proposta era escrever justamente sobre seu legado no cinema, mas o projeto foi negado pelo Funcultura. Quando ele veio a falecer, em agosto de 2016, Farache e Cunha retomaram a ideia como uma biografia, que foi aceita pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
“O livro nasceu do afeto e da admiração”, diz Paulo Cunha, pesquisador e professor titular aposentado da UFPE. “É muito provável que, se outro autor decidisse fazer uma biografia, seria relativamente diferente da nossa. Esse livro tem marcas da nossa proximidade, apesar do reforço de documentar tudo. Nós consultamos milhares de documentos. A proximidade também facilitou o acesso a coisas que ninguém sabia que existia, que estavam guardadas em sua antiga casa no Rio de Janeiro. Sua família teve uma generosidade enorme ao nos receber, justamente porque sabia que iríamos fazer o trabalho com respeito.”
“Entrevistamos pessoas que o conheciam na época do Junior, até os colegas mais recentes do Rio. A família dele simplesmente abriu sua antiga casa no Rio. No quarto, encontramos um material muito rico, tendo acesso a diários dele que exprimem sentimentos. Livros em que ele guardava suas pautas, alguns autógrafos que recolheu. Memórias que preservam sua vida de repórter”, conta a jornalista e fotógrafa Ana Farache, atual coordenadora do Cinema do Museu, da Fundação Joaquim Nabuco.
Paulo Cunha, que chegou a codirigir dois curtas com Geneton, ressalta que ele foi um cineasta incrivelmente talentoso, rompendo com os limites entre cinema e televisão. "O nosso livro procura realçar todas as dimensões de Geneton: cineasta, viajante, jornalista, poeta”, explica. Em 2010, associando cinema e jornalismo, Moraes Neto passou a dirigir documentários num formato novo. Fez Canções do exílio, exibido no Canal Brasil, com depoimentos de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Mautner e Jards Macalé sobre o período em que viveram em Londres, exilados da ditadura no Brasil.
“Foi muito legal fazer esse livro, apesar de sempre carregar um lado de tristeza que nunca pensamos que iríamos carregar. Percebemos que Geneton deixou boas lembranças nas pessoas. Ele era uma pessoa doce, paciente. Foi também um professor, por nunca negar convites para falar com estudantes, turmas e jornalistas em início de carreira. Tudo isso com um zelo muito grande pelas palavras. Ele costumava dizer: ‘Não importa se for um guerrilheiro ou torturado, vou com a mesma curiosidade e o mesmo respeito. Quero dar voz independentemente de decisões pessoais, políticas ou estéticas’.”
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