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Cinema

'O Brasil precisa de filme vivo e que converse com sua realidade', diz diretor de Divino Amor

Confira a entrevista com o cineasta pernambucano Gabriel Mascaro

Publicado em: 27/06/2019 09:15 | Atualizado em: 18/07/2020 00:09

 (Foto: Bruna Valença/Divulgação)
Foto: Bruna Valença/Divulgação


Divino amor é o terceiro longa-metragem de ficção do recifense Gabriel Mascaro e o primeiro filme pernambucano exibido no Festival de Sundance, nos Estados Unidos. Também passou pelo Festival de Berlim, sendo selecionado para outras 40 programações. Agora, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (27).

No longa, o Brasil de 2027 vive um estado evangélico. O país não tem mais o carnaval como principal festa popular, dando lugar para uma espécie de “Tomorrowland” com música eletrônica gospel. Quem quer desabafar com um pastor pode se dirigir a um drive thru da oração, que conta com trilhas sonoras de autoajuda. São várias particularidades religiosas fazem parte de um capitalismo gélido e automatizado, corriqueiramente retratado em distopias.

 (Foto: Divino Amor/Divulgação)
Foto: Divino Amor/Divulgação


O filme acompanha Joana (Dira Paes), escrivã fervorosamente religiosa que, ao lidar com situações de divórcio, usa da fé para fazer com que os casais desistam do processo. São investidas legitimadas por um estado que já não consegue separar a burocracia da religião. Pelo diálogo com a atualidade, a expectativa do público é alta, tanto pelo incômodo que a obra pode causar no conservadorismo contemporâneo quanto pelo histórico do diretor, responsável por longas como Boi neon (2015) e o documentário Doméstica (2012).

Em entrevista ao Viver, Gabriel Mascaro revela antecedentes, descobertas que teve com as pesquisas para o longa e qual a mensagem que o filme deixa para o governo Bolsonaro. Confira:

ENTREVISTA - Gabriel Mascaro, cineasta

O avanço evangélico nas instituições brasileiras já é pauta constante nos setores progressistas. Além disso, algo estimulou a criação do filme?
Existe a minha formação pessoal. Estudei em um colégio cristão e morei no Cordeiro, um bairro classe média baixa da Zona Oeste do Recife que teve uma expansão evangélica expressiva. Na adolescência, vi amigos de infância se convertendo ao evangelho e senti o impacto cultural que isso gerou na região. Imaginei o quanto seria importante problematizar isso, ao mesmo tempo trazendo meu olhar. Todos nós assistimos o teor religioso tomar conta do estado e, do ponto de vista artístico, isso pode ser uma ótima inquietação.

O processo de pesquisa lhe fez enxergar a religião com outros olhares?
Me fez perceber como é importante olhar para a religião. Eu vi cerimônias muito empolgantes, cultos eloquentes e sedutores. O evangelismo brasileiro tem uma dinâmica muito própria e práticas distintas, que mudam de igreja para igreja no mesmo bairro. Na periferia do Recife, já vi um pastor com um Guitar Hero no pescoço e cerimônias que tinham um quê de cultura pop muito dançante e quente. Por isso, no filme, fazemos questão de mostrar como essa manifestação é capaz de absorver algumas coisas que vemos como símbolos de resistência, como a cultura pop jovial, as boates ou terapias eróticas. Isso tudo pode ser usado a favor da radicalização da cultura cristã.

Essas cenas eróticas servem para quebrar algum tabu sobre a sexualidade evangélica?
Também descobri que o sexo não é bem um tabu entre os evangélicos quando se trata dele como ferramenta para salvar o casamento. Existem vários programas na internet sobre isso, inclusive. A própria bíblia traz palavras-chaves sobre isso, como “multiplicar, partilhar e dividir”. No filme, o corpo é um instrumento da religião, então existe essa partilha de devoção e penitência para que o corpo esteja sempre a serviço da fé, em manutenção da família.

Como acha que o público conservador vai reagir ao filme?
Me perguntam muito isso, mas acredito que cada pessoa vai se relacionar com o filme de forma diferente, pois não dá para pensar o evangelismo como uma coisa só. Em geral, espero que reflitam sobre possibilidades de um futuro próximo, sem fetiches tecnológicos, mas que serve de espelho para as mudanças culturais de uma nação.

Qual o recado que Divino Amor deixa para o governo Bolsonaro?
Estreamos o filme em Sundance em janeiro, e Bolsonaro havia acabado de assumir o cargo. Mas esse não é um filme feito para Bolsonaro. No entanto, é curioso como cada exibição se torna única por ir conversando com o país em diferentes épocas. O Brasil de hoje muda muito a cada semana. É uma alegria imensa que o filme consiga ser um ponto de vista em movimento, sem concessão. Espero que essa liberdade continue sendo sossegada para quem trabalha com criação. O Brasil precisa de filme vivo e que converse com sua realidade. 

Assista ao trailer:

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