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Cinema

Divino Amor é a distopia pernambucana que toca na ferida do conservadorismo cristão

Publicado em: 27/06/2019 08:21 | Atualizado em: 18/07/2020 00:07

 (Foto: Divino Amor/Divulgação)
Foto: Divino Amor/Divulgação


Ficções distópicas costumam abordar sistemas autoritários que funcionam com auxílio de tecnologias avançadas e futurísticas. A bússola ainda é o clássico 1984, de George Orwell, lançado em 1943. Divino amor, novo filme do cineasta recifense Gabriel Mascaro, se passa no Brasil de 2027, mas o instrumento de domínio social tem ares de Idade Média: a fé religiosa cristã. Um futuro conservador que aborda condutas morais, valores e tendências sociais de um país que assiste ao crescimento de evangélicos na população e nas correntes políticas.

Divino amor foi o primeiro filme pernambucano exibido no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, passando pelo Festival de Berlim e ainda sendo selecionado para outras 40 programações. Com distribuição da Vitrine Filmes, a co-produção entre Brasil, Uruguai, Dinamarca e Noruega chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (27), após uma pré-estreia no Cinema São Luiz na quarta. A expectativa do público é alta, tanto pelo incômodo que a obra pode causar no conservadorismo contemporâneo quanto pelo histórico do diretor, responsável por longas como Boi neon (2015) e o documentário Doméstica (2012).

Nesse Brasil de 2027, as mulheres só podem frequentar praias com roupas aquáticas que cobrem todo o corpo. O carnaval deixou de ser a festa mais popular do país, dando lugar para uma espécie de “Tomorrowland” com música eletrônica gospel. Quem quer desabafar com um pastor pode se dirigir a um drive thru da oração, que conta com trilhas sonoras de autoajuda. As particularidades religiosas fazem parte de um capitalismo gélido e automatizado, corriqueiramente retratado em distopias. “Um Brasil que não precisa mais de templos, pois a fé é exercida ao ar livre”, diz uma voz infantil que serve como fio condutor para o desenvolvimento da trama.

 (Foto: Divino Amor/Divulgação)
Foto: Divino Amor/Divulgação


É nesse contexto em que vive Joana (Dira Paes), uma funcionária pública de cartório fervorosamente religiosa. Ao lidar com situações de divórcio, usa da fé para fazer com que os casais desistam do processo. São investidas legitimadas por um estado que já não consegue separar a burocracia da religião. A protagonista é casada com Danilo (Julio Machado), um rapaz que constrói coroas de rosas para funerais. Juntos, eles frequentam o Divino Amor, uma espécie de seita com diversos rituais excêntricos, onde casais exercem fé e sexualidade explícita.

A excelente direção de arte de Thales Junqueira abusa da estética neon azul e rosa, populares em recentes videoclipes de música pop, para provocar um sentimento de insipidez e superficialidade nesse cotidiano. As filmagens foram realizadas no Recife, mas as locações são quase imperceptíveis por conta dos efeitos especiais, criando uma metrópole costeira e cosmopolita onde a pequenez dos indivíduos é enfatizada por cenários inspirados na escola arquitetônica do brutalista. Outro destaque é a direção de fotografia de Diego García, com takes que provocam sentimentos de ambivalência em torno desse futuro belo e assustador.

 (Foto: Bruna Valença/Divulgação)
Foto: Bruna Valença/Divulgação


Apesar da vida “adequada” de Joana e Danilo, o casal vive um impasse por não conseguir ter filhos. Essa é a problemática que estremece o desenvolvimento do roteiro, escrito por Mascaro ao lado de Rachel Ellis, Esdras Bezerra e Lucas Paraizo. Joana chega em uma vereda solitária que abre discussões sutis e até subjetivas sobre os limites da fé. Para isso, conta com a ótima atuação de Dira Paes, que conseguiu encontrar equilíbrio em uma personagem que facilmente poderia ser caricata.

Contrariando a narrativa orwelliana de extrema opressão e desespero, Divino amor não tem muito a ver com Black mirror (Netflix), que tem enfoque no poder da tecnologia, ou The handmaid’s tale (Hulu), com cenas exageradas de sofrimento. Para quem assistiu a todos teasers e trailers, o longa não tem tantas novidades ou reviravoltas, mas surpreende pelas cenas de sexo que tentam naturalizar a prática na tela - uma marca de Mascaro - e um final aberto para múltiplas interpretações. 

Acima dessas questões, é um filme necessário para o exercício da liberdade artística em tempos incertos para o cinema brasileiro. Toca na ferida de um país cujo presidente da República, ao saber da aprovação da criminalização da homofobia, afirma que “está na hora do Supremo Tribunal Federal ter um ministro evangélico”.

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